Os loucos são mais loucos de serem lúcidos,
sinceros dos mundos que intuem, velam,
dos deuses os ângulos sábios das paredes
Por isso conquistam a morte nos muros,
empedram a serenidade na promessa exacta,
mastigam pêssegos infinitos na tremura da língua,
reviram os olhos de caroços que rodam e rodam
E babam e babam, escorrem a terra de lábios que lambem e lambem,
chupam na fruta a seiva profunda, o suco da carne alienígena,
espancam os dentes frenéticos na precisão demente do açúcar
Oh! quero um espaço vazio e uma mesa para escrever-lhes
São os eleitos da criação, elucidados e absolvidos,
o entendimento na alucinação das orbitas gustativas
Mostram os lábios sangrados na repetição das unhas,
porque a árvore dedilhada reside-lhes dentro
e irrompem fundo os dedos na boca para trazê-la,
arrastá-la de sangue, desmembrada de braços e raízes,
os deuses pelo veludo descarnado dos pêssegos
Tenho beijos e beijos na boca para esses loucos,
para o tempo que respiram e vomitam as vísceras
Mãos para pentear-lhes os cabelos, demoradamente,
suavemente deslizar-lhes a pele de lábios e línguas
Passa um pássaro, olham e seguem, os ossos
já não voltam
Que tempo e asas levam
Desenham mapas contínuos na migração das aves,
podem a felicidade nessa abalada ininterrupta,
a alma alheada pela loucura apaziguada e livre
Como planam doces as pedras na polpa da fruta
Oh! quero um espaço vazio e uma mesa para escrever-lhes,
cartas e mais cartas, cestos e cestos de melaço
Quero os dentes dos loucos que trincam e trincam, sempre
as línguas geminadas que lambem e lambem e torcem,
a saliva urgente com que serenam os olhos, expurgam o sangue,
a loucura das asas saciadas, brancas, soltas pelo granito
Preciso banhar-me na polpa, no suco dessa demência sã
Manuela Carneiro